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A concepção de graça preveniente norteia a soteriologia pentecostal clássica, que reproduz ou se aproxima da teologia arminiana clássica e da teologia wesleyana.

O arminianismo clássico compreende que Deus oferece graça salvadora a todas as pessoas através do Espírito Santo (1Tm 2.3-4; Tt 2.11), capacitando-as a opor-se à influência do pecado, e possibilitando uma resposta positiva a Deus (Jo 15.26-27; 16.7-11). Deus toma sempre a iniciativa, cabendo ao pecador responder em fé e obediência voluntária (Lc 15; Rm 5.6-8; Ef 2.4-5; Fp 2.12-13). Contudo, os pecadores podem resistir à graça, e continuar no pecado e rebelião contra Deus. A graça de Deus capacita e encoraja uma resposta positiva e salvífica para todas as pessoas, mas ela não é determinante ou irresistível para ninguém (At 7.51). Uma resposta positiva inicial de fé e obediência também não garante a perseverança dos salvos. É possível iniciar um relacionamento genuíno e pessoal com Deus, e depois se afastar Dele, persistindo no mal de sorte que a pessoa, por fim, se perca (Rm 8.12-13; 11.19-22; Gl 5.21; 6.7-10; Hb 6.1-8; Ap 2.2-7). (WALLS, 2014, p. 14.)

As ideias acima estão presentes nas obras de Myer Pearlman (1898-1943), um dos principais teóricos do pentecostalismo clássico no Brasil. Pearlman, educador, teólogo e escritor norte-americano, teve sua obra Conhecendo as Doutrinas da Bíblia, traduzida e publicada no Brasil em 1959, pelo missionário Lawrence Olson, e adotada como livro-texto de teologia sistemática, no Instituto Bíblico Pentecostal (IBP), no Rio de Janeiro, e no Instituto Bíblico das Assembleias de Deus (IBAD, em Pindamonhangaba (SP) (ARAÚJO, 2007, P. 547). Conforme Pearlman:

As Escrituras ensinam constantemente que o homem tem o poder de escolher livremente entre a vida e a morte, e Deus nunca violará esse poder. […] Pode-se resistir à graça de Deus? […] O Novo Testamento ensina, sim, que é possível resistir à graça divina e resistir para a perdição eterna (Jo 6.40; Hb 2.3; 6.46; 10.26-30; 2 Pe 1.10; 2.21), e que a perseverança é condicional dependendo de manter-se em contato com Deus. Note-se especialmente Hebreus 6.4-6 e 10.26-29. (PEARLMAN, 1970, p. 173)

Apesar de ainda não ter uma Confissão de Fé própria, o pentecostalismo clássico brasileiro, através de suas publicações nos órgãos oficiais (jornais, revistas e livros), é basicamente arminiano/wesleyano em sua soteriologia.

A graça preveniente na teologia de Jacó Armínio
O posicionamento de Armínio (1569-1609) sobre a graça preveniente foi registrado em sua Declaração de Sentimentos, onde ele atribui à graça o início, a continuidade e a consumação de todo bem. Para Armínio, a influência da graça é tamanha que um homem, embora regenerado, de forma alguma pode conceber, desejar, nem fazer qualquer bem, nem resistir a qualquer tentação do mal, sem esta graça preveniente e estimulante, seguinte e cooperante. Ele insiste no fato de que é equivocada a ideia que alguns disseminam a seu respeito alegando que uma ênfase exagerada é dada por ele ao livre-arbítrio. E ainda:

Pois toda a controvérsia se reduz à solução desta questão, “a graça de Deus é uma certa força irresistível”? Isto é, a controvérsia não diz respeito àquelas ações ou operações que possam ser atribuídas à graça, (pois eu reconheço e ensino muitas destas ações ou operações quanto qualquer um) mas ela diz respeito unicamente ao modo de operação, se ela é irresistível ou não. Em se tratando dessa questão, creio, de acordo com as Escrituras, que muitas pessoas resistem ao Espírito Santo e rejeitam a graça que é oferecida. (OLSON, 2013, p. 210).

Após a morte de Armínio, quarenta e seis ministros holandeses elaboraram um documento chamado de “Remonstrância” (protesto), onde reafirmaram os conceitos de Armínio. Em seu Artigo III, enfatiza a depravação total do homem. No Artigo IV se declara a possibilidade da graça preveniente ser resistida.

A graça preveniente na teologia de John Wesley
John Wesley (1703-1791), o grande teólogo e pregador inglês, pai do metodismo, movimento que influenciou o surgimento do pentecostalismo clássico, entendia a salvação do homem nos moldes do arminianismo clássico:

A graça opera diante de nós para nos atrair em direção à fé, para iniciar sua obra em nós. Até mesmo a primeira e frágil intuição da convicção do pecado, a primeira insinuação de nossa necessidade de Deus, é a obra da graça preparadora e antecedente à beira do nosso desejo, trazendo-nos em tempo de afligirmo-nos sobre nossas próprias injustiças, desafiando nossas disposições perversas, de modo que nossas vontades distorcidas gradualmente cessam de resistir ao dom de Deus. (OLSON, 2013, p. 219).

Sobre a ideia de graça irresistível, Wesley não defende tal realidade no que se refere aos aspectos do chamado ou oferta para a salvação, mas ao restabelecimento das faculdades humanas que estabelecem o equilíbrio e responsabilidade individuais. Para ele a graça preveniente não é irresistível, não aniquila a personalidade. A graça é necessária e imprescindível, pois produz no seu um “eu” responsável, e isso se dá em parte pela restauração das faculdades. No princípio do processo da salvação, não há uma graça cooperante, mas uma graça livre, como atividade apenas de Deus (COLLINS, 2010, p. 109).

Conclusão
O chavão evangelístico que diz “dê um passo para Deus que Ele dará dois em sua direção”, não se sustenta à luz do arminianismo clássico, do pensamento wesleyano, nem da própria teologia pentecostal clássica. Tal apelo é norteado pelo arminianismo de cabeça (OLSON, 2013, p. 23.) e arminianismo contemporâneo (WALLS; DONGELL, 2014, p. 64.), que são essencialmente semipelagianos, e que acreditam que o homem não se encontra no estado de depravação total, podendo de alguma maneira tomar a iniciativa de buscar a Deus e de conseguir a sua salvação pessoal.

O arminianismo clássico não defende a ideia de que o homem após a queda não se tornou totalmente depravado, de que pode escolher o bem espiritual, e de exercer fé em Deus de maneira a receber o evangelho e assim tomar posse da salvação para si mesmo (SEATON, 2012, p.4-5).

Toda salvação pessoal é resultado da iniciativa graciosa de Deus, que ilumina o entendimento humano para a verdade do Evangelho, e que afrouxa as rédeas do poder do pecado. Somente a operação da graça preveniente torna o homem capaz de crer e aceitar o dom gratuito de Deus, que é a vida eterna em Cristo Jesus (Ef 2.1-10), ou de livremente rejeitá-lo, tornando-se assim moralmente responsável por tais decisões.

Enquanto escrevo o presente artigo, há uma visível mobilização no pentecostalismo clássico brasileiro, partindo da academia e dos órgãos oficiais das Assembleias de Deus, no sentido de propagar e consolidar o pensamento teológico e soteriológico aqui exposto. Os limites da teologia arminiana/wesleyana no pentecostalismo clássico brasileiro, em sua relação com as demais correntes teológicas, caminham para uma maior clareza e percepção.


Referências bibliográficas
ARAÚJO, Isael de. Dicionário do movimento pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.
COLLINS, Kenneth J. Teologia de John Wesley. Rio de Janeiro: CPAD, 2010.
OLSON, Roger E. Teologia Arminiana: mitos e realidades. São Paulo: Editora Reflexão, 2013.
PEARLMAN, Myer. Conhecendo as doutrinas da Bíblia. Belo Horizonte: Editora Vida, 1970.
SEATON, W. J. Os cinco pontos do calvinismo. 3.ed. São Paulo: PES, 2012.
WALLS, Jerry; DONGELL. Por que não sou calvinista. São Paulo: Editora Reflexão, 2014.


Altair Germano Pastor e missionário na Europa pela Assembleia de Deus em Abreu e Lima-PE, conferencista e escritor. Retirado integralmente do site: Teologia Brasileira.

William H. Williamon escreveu um artigo intitulado “What if Wesley was right?” (E se Wesley estava certo?), dentro do livro “Our Calling to Fulfill” (Nosso Chamado para Cumprir), abordando os conceitos de John Wesley e suas implicações práticas para os dias atuais. Ele dialogou com a teologia de Wesley acerca de Deus e a Graça transformadora, afirmando que “se Wesley estava certo, então conferências sobre Wesley podem ser perigosas”, pois quando nos confrontamos com seus pensamentos teremos que rever nossas ações.

Tendo como inspiração o tema que Williamon levantou, parei para meditar em outras áreas que, se Wesley estava certo biblicamente e teologicamente, então, teremos sérios problemas com as nossas ações e pensamentos, pois não são somente as suas convicções, mas, em realidade, as convicções que o próprio Deus quer de nós. Em vista disso, enumerei cinco pontos que John Wesley pode nos instruir.

ECLESIOLOGIA: o mundo é minha paróquia

O modo que Wesley enxergava a igreja é muito diferente do que normalmente temos visto. Para ele, a Igreja não é o templo que usamos para cultuar a Deus e os membros não são aqueles que entram no prédio. Vai muito além disso! Seu campo de atuação é o mundo inteiro e seu público para a pregação são todos aqueles que não conhecem a Cristo. Se Wesley estava certo, não devemos focar nossos esforços demasiadamente nos templos e prédios apainelados, mas investir nossos esforços e recursos humanos nos campos brancos que estão à espera dos trabalhadores.

POBREZA: preferência aos desprovidos financeiramente

Uma das marcas mais nítidas na vida e ministério de Wesley é seu envolvimento com os pobres e os necessitados. De acordo com Mckenna “ter o espírito de compaixão pelo pobre” foi à forma como eram “conhecidos os wesleyanos”. A santidade de Deus é acompanhada pela justiça social, ela é a santidade de Deus em ação. Devemos ressaltar que o amor de Cristo vai além de simplesmente querer uma troca ou de um proselitismo camuflado de ação social; o amor dEle é verdadeiro e real. Se Wesley estava certo, nossas igrejas devem amar, ajudar e resgatar os desprovidos financeiramente.

EVANGELIZAÇÃO: pregação ao ar livre e em todos lugares

A história mostra que Wesley teve muitas dificuldades no início para aceitar a ideia de pregar ao ar livre, sendo somente depois de muita insistência do seu amigo George Whitefield que ele começou a ir para as ruas, fábricas, praças e aonde o aceitarem. Porém, depois de convencido dedicou-se a finco à sua responsabilidade missionária, que de acordo com Lelièvre: “Calcula-se que nos nove últimos meses do ano de 1739 ele pregou cerca de 500 vezes, das quais somente umas oito ou dez foram nas igrejas (…) [Wesley] Viajava em média 5.000 quilômetros por ano, a maior parte deles a cavalo. (…) [ele] aceitou a vida missionária como um dever, e sabia transformar a sua obrigação em trabalho verdadeiramente agradável”. Se Wesley estava certo, cada nação será nosso campo missionário, cada igreja será uma sociedade que envia missionários e cada membro aceitará sua responsabilidade missionária.

ECONOMIA: ganhe tudo o que puder, poupe tudo que puder e doe tudo o que puder

Uma das maiores dificuldades da sociedade moderna é se desfazer do apego financeiro. Na época de Wesley essa realidade não era diferente, e ele foi de encontro com qualquer tipo de pensamento e atitude gananciosa. Não foi por acaso que Wesley e seus companheiros foram apelidados pejorativamente de metodistas, pois seu estilo de vida era extremamente rigoroso, especialmente a parte financeira. Se Wesley estava certo, não ganhamos para ostentar, tão pouco poupamos para nos enriquecermos, mas utilizamos os recursos que Deus nos deu para investirmos no Reino dEle e para dividir o pão nosso com o nosso irmão desprovido.

JUSTIÇA: a luta contra a escravidão

Uma das contribuições mais significativas de Wesley para a sociedade é sua influência política contra a escravatura. O até então jovem William Wilberforce estava iniciando seus longos anos na carreira política e recebeu uma carta do respeitado pastor da Inglaterra, John Wesley, dizendo a ele que “Não se canse de fazer o bem. Eu sigo em frente em nome de Deus e no poder de Sua força, até que a escravidão americana (a mais vil que alguma vez viu o sol) possa ser banida diante dele”. Wesley tinha convicção que o cristão deve lutar pelos seus direitos e dos outros, para que haja justiça no mundo. Se Wesley estava certo, nós cristãos nos envolveremos com a política não para obtermos poder, mas para que a retidão, a justiça e a equidade, sejam garantidas (Pv 2:9).

Soli Deo gloria