O que torna um cristão reformado?

A palavra “reformado” é usada de muitas maneiras, e nem sempre corretamente. Historicamente, ela se refere a uma tradição dentro do cristianismo que surgiu da Reforma do século XVI, um movimento que buscava corrigir desvios na igreja e afirmar a centralidade do Evangelho. Mas o que realmente faz alguém ser um cristão reformado?

O problema com os rótulos

Rótulos podem ser perigosos se usados para intimidar ou excluir outros cristãos. Por exemplo, algumas pessoas dizem: “Você não é realmente reformado se não acredita na expiação limitada”. Outros usam para se sentir superiores: “Nós, reformados, entendemos a graça de Deus corretamente, ao contrário dos arminianos”.

No entanto, os rótulos também têm valor. Eles nos ajudam a entender diferenças e semelhanças dentro da fé cristã, assim como identificar tipos diferentes de árvores nos ajuda a cuidar delas. O rótulo “reformado” ajuda a reconhecer características de uma tradição que valoriza a fidelidade às Escrituras e ao Evangelho.

Por que “calvinista” não é sinônimo de “reformado”

Muita gente confunde os termos “calvinista” e “reformado”, mas eles não são a mesma coisa. Calvino foi um gigante da Reforma, mas nenhum reformado do século XVI ou XVII o via como a única referência da tradição. Outros reformadores importantes incluem Ulrico Zuínglio, Martin Bucer, Heinrich Bullinger e Pedro Mártir Vermigli. Cada um contribuiu para a formação da tradição reformada, e nenhum deles pretendia que seus escritos fossem definitivos para todos os reformados.

Portanto, associar reformados apenas a Calvino é simplista, pois a tradição reformada é mais ampla e plural, incluindo diversidade teológica e pastoral, mesmo entre aqueles que seguem as mesmas confissões históricas.

O mito da TULIP

Muitos dizem que os cinco pontos do Calvinismo (TULIP) definem o reformado:

  1. Depravação total

  2. Eleição incondicional

  3. Expiação limitada

  4. Graça irresistível

  5. Perseverança final

Mas isso não é suficiente. O Sínodo de Dort (1618-1619), que originou os cinco pontos, resolveu uma controvérsia específica sobre a Remonstrância arminiana, sem definir toda a tradição reformada. Além disso, a sigla TULIP foi criada séculos depois, simplificando demais as nuances de Dort, como no caso da expiação limitada, que na tradição reformada é vista tanto como suficiente para todos quanto eficaz somente para os eleitos. Simplificar demais gera distorção.

Reformado não é apenas predestinação

Ser reformado significa estar dentro da tradição protestante surgida na Reforma. Essa tradição se distingue da tradição católica histórica (explicada no Credo Niceno) e sustenta os quatro “somente”:

  • Somente a Escritura – a Bíblia é autoridade suprema, não a única.

  • Somente a graça – a salvação é dom de Deus, não resultado de méritos humanos.

  • Somente Cristo – Cristo é suficiente para a salvação.

  • Somente a fé – a confiança em Cristo é o meio pelo qual recebemos a salvação.

Dentro do protestantismo, surgiram duas grandes tradições: luterana e reformada. Originalmente, a diferença principal não era a predestinação, mas a Ceia do Senhor. Os luteranos defendiam a presença real de Cristo no pão e no vinho; os reformados, liderados por Calvino e Zuínglio, viam a Ceia de forma simbólica ou espiritual.

Confissões: o verdadeiro critério

Ao contrário do que muitos pensam, o que define um reformado não são apenas as ideias de predestinação ou os cinco pontos do Calvinismo. O que realmente importa são as confissões históricas reformadas, como:

  • Confissão Belga (1561)

  • Catecismo de Heidelberg (1563)

  • Segunda Confissão Helvética (1566)

  • Confissão de Fé de Westminster (1647)

  • Declaração de Savoy (1658)

  • Confissão Batista de Londres (1689)

Um cristão é reformado se puder afirmar uma ou mais dessas confissões, reconhecendo a fidelidade às Escrituras, à doutrina de Cristo e à estrutura bíblica da igreja.

Os pentecostais são reformados?

Em geral, os pentecostais não são considerados parte da tradição reformada. Eles surgiram a partir do movimento pentecostal do início do século XX, com ênfase nos dons do Espírito Santo, batismo no Espírito e manifestações espirituais contemporâneas. Apesar de valorizarem a fé em Cristo e a autoridade das Escrituras, não se enquadram nas confissões históricas reformadas, nem compartilham a mesma estrutura teológica e eclesiástica.

Dito de forma simples: todo reformado é protestante, mas nem todo protestante é reformado; e os pentecostais pertencem a outra tradição dentro do protestantismo.

Jacó Armínio dentro da tradição reformada

Outro ponto importante: Jacó Armínio, muitas vezes associado ao arminianismo, também nasceu dentro do contexto reformado. Ele foi:

  • Signatário da Confissão Belga (1561)

  • Signatário do Catecismo de Heidelberg (1563)

  • Reitor do Seminário Reformado de Leiden

Ou seja, Armínio atuou plenamente dentro da tradição reformada, reconhecia as confissões e exercia liderança teológica. Sua divergência histórica em relação à eleição incondicional e à extensão da expiação não o exclui do contexto reformado, mas mostra que havia diversidade de pensamento mesmo dentro da tradição.

Observações importantes

  1. Origem comum, caminhos diferentes: Armínio nasceu dentro do contexto reformado, mas seus pontos sobre eleição e graça o colocam fora da tradição reformada histórica.

  2. Pentecostais não são reformados: Surgiram no início do século XX e possuem foco em dons espirituais, experiências carismáticas e práticas não reguladas pelas confissões históricas.

  3. Pontos em comum: Reformados, arminianos clássicos e pentecostais são todos protestantes, compartilham a fé em Cristo e a autoridade da Bíblia, mas divergem em como entendem a salvação e a igreja.

Conclusão

Ser reformado significa:

  • Estar na tradição protestante histórica da Reforma

  • Aderir à autoridade suprema das Escrituras

  • Reconhecer e viver de acordo com uma ou mais confissões reformadas históricas

Enquanto isso, arminianos clássicos e pentecostais podem compartilhar algumas doutrinas protestantes, mas não se enquadram como reformados históricos, embora alguns (como Armínio) tenham feito parte do contexto reformado e contribuído para seu desenvolvimento.