Todos somos sacerdotes

Não é necessário ser um conhecedor profundo da história eclesiástica para saber que, do ponto de vista teológico, a Reforma Protestante do século XVI teve como objetivo principal o retorno da Igreja às Sagradas Escrituras como a base para sua fé e sua vida prática. O episódio mais representativo desta ênfase foi a Dieta de Worms (maio de 1521) convocada pelo imperador Carlos V com o propósito de julgar a Martinho Lutero, que havia sido excomungado previamente como herege pelo Papa Leão por afirmar a autoridade da Bíblia acima da autoridade dos papas e os concílios. Convidado a retratar-se, o reformador alemão respondeu com a seguinte declaração da “sola scriptura, tota scriptura”, uma afirmação que sintetiza a convicção teológica evangélica básica com respeito à centralidade das Escrituras:

“Minha consciência é cativa da Palavra de Deus. Se não me demonstrarem pelas Escrituras e por razões claras (não aceito a autoridade de papas e concílios, pois se contradizem), não posso nem quero retratar-me de nada, porque ir contra a consciência é tão perigoso quanto errado. Que Deus me ajude, Amém.”

Sobre essa base bíblica os reformadores construíram o edifício teológico constituído pelas ênfases evangélicas que se resumem nas seguintes afirmações: somente a Cristo (“solus Christus”), somente a graça (“sola gratia”),somente a fé (“sola fide”), somente a glória de Deus (“soli deo gloria”), a igreja reformada sempre se reformando (“ecclesia reformata semper reformanda”). No entanto, já em 1520, antes da Dieta de Worms, Lutero escreveu três tratados em que expunha sua posição teológica em controvérsia com a sustentada oficialmente pela Igreja Católica Romana: “A liberdade cristã”, “À nobreza alemã acerca do melhoramento do Estado cristão”, e “O cativeiro babilônico”.

Ainda que não negue a necessidade de um ministério “ordenado” por razões funcionais, em seu tratado dirigido à “nobreza alemã” Lutero rejeita a forte divisão tradicional entre clérigos e leigos, e afirma o sacerdócio de todos os crentes (também denominado “sacerdócio comum”) nos seguintes termos:

“Todos os cristãos são em verdade de estado eclesiástico e entre eles não há distinção, se não somente por causa do ministério, como Paulo diz que todos somos um corpo, mas que cada membro tem sua função própria com a qual serve aos demais. Isso resulta do fato de que temos um só batismo, um Evangelho, uma fé e somos cristãos iguais, visto que o batismo, o Evangelho e a fé por si sós tornam eclesiástico ao povo cristão”.

A base bíblica desta posição é sólida. De acordo com o ensino do Novo Testamento, o único sacerdócio válido até o fim da era presente é o sacerdócio de Jesus Cristo, que se ofereceu a si mesmo em sacrifício pelos pecados e “com um só sacrifício tornou perfeitos para sempre aos que está santificando” (Hb 10.14). Todos os que confiam nele têm acesso direto à presença de Deus (10.19-22). Ninguém pode oferecer mais sacrifícios pelo pecado: a obra de redenção está consumada; Jesus Cristo homem é o único mediador entre Deus e os homens (1Tm 2.5). Em virtude de sua relação com ele, todos os crentes participam de seu sacerdócio: são o sacerdócio do Rei (1Pe 2.9); são “reis e sacerdotes” (Ap 1.5; 5.10). E como tais são chamados a oferecer-se a si mesmos, “em adoração espiritual… como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rm 12.1).

Biblicamente, todo cristão é sacerdote pelo único motivo de ser cristão. A Igreja é um povo sacerdotal. Consequentemente, todos os seus membros foram consagrados ao serviço de Deus, e para realizá-lo receberam “diversos dons”, “diversas maneiras de servir”, “diversas funções” que o Espírito reparte “para o bem dos demais” (1Co 12).

Sobre esta base bíblica, a Reforma Protestante do século XVI abriu o caminho para que cada igreja local seja uma igreja-comunidade que supere a dicotomia entre clérigos e leigos e todos os membros do corpo de Cristo, sem exceção, participem em serviços que manifestem o amor a Deus e ao próximo, de maneira prática. A pergunta que temos que nos fazer hoje é: até que ponto nossas congregações estão comprometidas com o sacerdócio de todos os crentes, levando em conta que “todos os que foram batizados em Cristo se revestiram de Cristo” e, em consequência, “já não há judeu nem gentio, escravo nem livre, homem nem mulher” (Gl 3.27-28)?

Soli Deo gloria

A reforma protestante mudou o discurso da igreja católica romana?

A data de 31 de outubro marca o aniversário da Reforma Protestante. A pregação das 95 teses por Martinho Lutero na porta da catedral de Wittenberg naquele dia em 1517 provou-se ser um dos eventos mais importantes da história mundial. De fato, muitos evangélicos traçam suas origens a esse momento que inaugurou o movimento protestante do qual nos consideramos seus herdeiros.

Mas a Reforma ocorreu há quinhentos anos! Como quase tudo que está há meio milênio de sua origem, as coisas mudaram. Mudaram mesmo? Quais questões desencadearam a Reforma? Quais eram os principais protestos contra a Igreja Católica naquela época? Aquelas mesmas condições ainda existem, de modo que a Reforma permanece inacabada?

Meio milênio atrás

As 95 teses de Lutero constituíram um chamado para debater alguns dos erros flagrantes da Igreja Católica de sua época. Seus escritos subsequentes expuseram muitos outros problemas:

  • Uma negação da justificação pela graça de Deus recebida somente por meio da fé e somente por meio de Cristo.
  • Uma visão não-bíblica da salvação, reunindo Deus e pecadores de uma maneira em que a graça divina, comunicada por meio dos sacramentos da Igreja, inicia o processo de salvação que perdura durante a vida e os esforços humanos respondem engajando-se em boas obras para merecer a vida eterna.
  • Uma estrutura de autoridade defeituosa combinando ilegitimamente a Escritura com a tradição e o papado.
  • Uma Missa Católica vergonhosa que minimizava a Palavra de Deus, ignorava a importância da fé e concentrava-se na Eucaristia como mero ritual.
  • Uma crença incorreta de que, durante a Missa, Jesus Cristo torna-se fisicamente presente através da transubstanciação.
  • Uma elevação inapropriada do papel de Maria como mediadora entre seu filho Jesus Cristo e os pecadores, bem como de intercessora que reza por eles e os ajuda.
  • Uma perspectiva falha sobre os sete sacramentos como sendo comunicadores da graça de Deus ex opere operato.
  • Uma esperança não-bíblica no purgatório – tempo que pode ser reduzido pela compra de indulgências.

Estas eram as principais questões que Lutero expôs e criticou referente à Igreja Católica de seus dias.

500 anos depois

É uma percepção popular de que a única constante em nosso mundo é a mudança – e isso é verdade no que diz respeito à dinâmica católico-protestante depois de quinhentos anos. Um feliz exemplo é que os dois grupos não estão mais em guerra entre si. Em vez disto, protestantes e católicos trabalham juntos na política, na educação, na assistência médica, na ética etc. Eles se engajam em co-beligerância, lutando juntos contra pecados perturbadores como o aborto, a eutanásia, a eugenia, o controle populacional, a violência, a promiscuidade e o fanatismo antirreligioso. A atmosfera degelou.

Além disso, as duas tradições estão aptas a destacar os aspectos comuns que as unem. De uma perspectiva protestante, essas similaridades (pelo menos em parte) incluem a Trindade, a natureza de Deus, a revelação divina, a pessoa de Cristo e sua crucificação e ressurreição, o Espírito Santo, a imagem de Deus, a depravação do pecado, a iniciativa divina na salvação e a esperança futura. De uma perspectiva católica (fomentada em grande parte pelas mudanças iniciadas no Concílio Vaticano II, 1962-1965), os protestantes não estão mais condenados ao inferno, mas experimentam a salvação na condição de irmãos e irmãs separados (embora não em sua plenitude, que só pode existir para os fiéis católicos).

Ainda assim, diferenças importantes continuam a dividir as duas tradições. Tome, por exemplo, cada um dos pontos citados acima.

JUSTIFICAÇÃO

O “princípio material (o conteúdo-chave) do protestantismo” continua a ser um ponto calorosamente debatido. Por um lado, a Federação Luterana Mundial chegou a um acordo oficial com a Igreja Católica sobre esta doutrina em sua Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação (1999). Por outro lado, a maioria dos protestantes continua a considerar esta doutrina um ponto-chave de distinção.

Este é certamente o caso quando consideramos as definições de justificação que são adotadas pelas duas tradições. Justificação, de acordo com o protestantismo, é um ato legal de Deus por meio do qual Ele declara pecadores não como “não-culpados”, mas sim como “justos”, à medida que imputa ou credita a perfeita justiça de Cristo a eles. Para o catolicismo, “justificação não é apenas a remissão dos pecados, mas também a santificação e a renovação do homem interior” (Concílio de Trento, Decreto sobre a Justificação, 7). A doutrina católica combina a regeneração (o novo nascimento que acontece, de acordo com o catolicismo, pelo sacramento do Batismo), com a santificação (uma transformação de longo termo fomentada pelos sacramentos) e o perdão. Tal fusão da justificação com a regeneração e a santificação contradiz o conceito paulino de justificação (como exposto, por exemplo, em Romanos 3-4) ao redor do qual o debate se concentra.

A justificação, como ponto central da salvação, continua a ser um grande ponto de divisão entre católicos e protestantes.

SALVAÇÃO

Fluindo da diferença referente à justificação, a maneira pela qual Deus salva pecadores continua a dividir as duas tradições. De acordo com a teologia protestante, a salvação é monergista (mono = único, exclusivo; ergon = trabalho, obra): Deus é o único agente definitivo que opera a salvação através da justificação, regeneração, adoção etc. Ele fornece graça (através de sua Palavra, seu Espírito, da pregação e das ordenanças, embora não esteja vinculada exclusivamente ao batismo e à Ceia do Senhor) que afeta a salvação através da fé possibilitada pelo Espírito (Atos 18.27; 1Pedro 4.11).

De acordo com a teologia católica, a salvação é sinergista (syn = junto; ergon = trabalho, obra): Deus e as pessoas trabalham juntos para operar a salvação dos pecadores. A graça de Deus inicia o processo e os fiéis católicos cooperam com essa graça. Fundamentalmente, a graça é infundida através de sacramentos, transformando, deste modo, os fiéis, para que possam se engajar em boas obras a fim de merecerem a vida eterna. Uma vez que a salvação é um processo contínuo e a graça divina pode ser perdida, os católicos, então, acreditam na perda de salvação. Consequentemente, eles não podem desfrutar da segurança da salvação, uma doutrina adotada por muitos protestantes.

Salvação – como Deus opera para resgatar pecadores – continua a ser um grande divisor doutrinal.

AUTORIDADE

Quem ou o que constitui a autoridade no relacionamento entre Deus e as pessoas? O “princípio formal (a estrutura autoritativa) do protestantismo” continua a ser um ponto de divisão entre as duas tradições.

O princípio protestante do sola Scriptura – somente a Escritura – significa que a Palavra de Deus é a autoridade definitiva em todas as questões de fé e prática. Cada doutrina, cada ação moral e questões similares devem estar baseadas na Escritura. Esta posição não nega o valor dos credos da igreja primitiva, as confissões de fé protestantes e os distintivos do evangelicalismo. No entanto, ela atribui uma autoridade ministerial a essa sabedoria do passado – desempenha um papel útil; não uma autoridade magisterial ou definitiva. E, para cada igreja protestante, Deus deu pastores que têm autoridade para ensinar, guiar, exercer a disciplina, se engajar em missões etc.

A estrutura católica de autoridade é como um banco de três pernas. Uma perna é a Escritura, que é a Palavra de Deus escrita. Católicos e protestantes continuam a discordar a respeito do cânon – a lista oficial de livros – do Antigo Testamento. A Bíblia católica contém os apócrifos, que são sete livros adicionais (Tobias, Judite, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico, Baruque e 1 e 2 Macabeus), além de trechos adicionais em Ester e Daniel. Uma vez que esses escritos nunca fizeram parte da Bíblia hebraica de Jesus e dos apóstolos, bem como não eram aceitos como parte do Antigo Testamento da igreja primitiva até o final do século quarto, os protestantes, então, rejeitam os livros apócrifos.

A segunda perna é a Tradição, o ensino de que Jesus comunicou questões oralmente aos seus apóstolos, os quais, por sua vez, comunicaram aos seus sucessores, os bispos, e que é mantida pela hierarquia da Igreja Católica. Dois exemplos da Tradição são a imaculada conceição de Maria e sua assunção corpórea.

A terceira perna é o Magistério, ou o ofício do ensino da Igreja. Composto pelo papa e os bispos, o Magistério continua a fornecer a interpretação oficial da Escritura e a proclamar a Tradição de maneira infalível.

Desta forma, a Tradição e o Magistério juntos constituem a estrutura de autoridade na Igreja Católica. A questão da autoridade continua a ser um grande ponto de divisão entre católicos e protestantes.

A MISSA

Desde o Vaticano II, a Igreja instituiu muitas mudanças em sua Missa. A mudança mais óbvia é a sua celebração na língua do povo, e não em latim. Considerando que antes se dava pouca atenção à Escritura, ela agora recebe um lugar de proeminência, principalmente na primeira parte da Missa, a Liturgia da Palavra. Há leituras do Antigo Testamento, do Novo Testamento e de um dos Evangelhos. Além disso, a homilia do padre (ou o pequeno sermão) reflete idealmente aqueles três textos e expõe o seu sentido comum. Os participantes são encorajados a participar da Missa com a disposição apropriada (com fé, humildade e receptividade) e não como um mero ritual.

Embora protestantes ainda discordem com muitas das coisas que acontecem na Missa, ela tem experimentado muitas mudanças significativas desde os dias de Lutero.

TRANSUBSTANCIAÇÃO

A discordância protestante mais notável com a Missa Católica diz respeito à presença de Cristo no sacramento da Eucaristia. Trata-se da discordância mais evidente, uma vez que protestantes são proibidos de participar desse sacramento.

A Igreja Católica acredita que, durante a Missa, o poder de Deus e as palavras e ações do padre provocam uma mudança na natureza do pão, de modo que ele se torna o corpo de Cristo; provoca também uma mudança na natureza do vinho, de modo que ele se torna o sangue de Cristo. A crucificação de Jesus que aconteceu há dois mil anos não é um evento que permanece encerrado no espaço e tempo. Em vez disto, sua morte é reapresentada durante a Missa. Assim, a Eucaristia, “a fonte e ápice de toda a vida cristã” (Catecismo da Igreja Católica, seção 1324), faz o sacrifício singular de Cristo estar presente repetidas vezes.

Esta tem sido a visão da Igreja desde o século 13 e a crença permanece nos dias de hoje. Os reformadores discordavam fortemente da ideia de transubstanciação e nenhum protestante a adotou desde então. A transubstanciação continua a ser um grande ponto de divisão entre católicos e protestantes.

MARIA

Desafiadas pela vasta divisão entre católicos e protestantes sobre o papel de Maria, as duas tradições pelo menos mantém três pontos em comum: Maria é a mãe de Deus, ou seja, aquela a quem ela deu à luz é o Filho de Deus, plenamente divino. Ela é uma mulher bendita, pois foi a mãe de nosso Salvador e Senhor (Lucas 1.42, 48) e é um modelo de obediência de fé, pois se rendeu à difícil vontade de Deus para ela (Lucas 1.38, 45).

Ainda assim, as principais doutrinas que os protestantes rejeitam incluem a imaculada conceição, a ausência de pecado, a virgindade perpétua, a participação nos sofrimentos de Jesus para conquistar salvação e a assunção corpórea ao céu. Os protestantes também rejeitam os “títulos de Advogada, Auxiliadora, Protetora, Medianeira” (Catecismo da Igreja Católica, 969). O papel de Maria continua a ser uma grande diferença entre católicos e protestantes.

OS SACRAMENTOS

A Igreja Católica adota sete sacramentos: o Batismo, a Confirmação (ou Crisma), a Eucaristia, a Penitência (ou Reconciliação), a Unção dos Enfermos, o Matrimônio e as Santas Ordens. Os reformadores reduziram este número para dois, ressaltando que somente o batismo e a Ceia do Senhor foram ordenados por Jesus e possuem sinais físicos que os acompanham (batismo: Mateus 28.18-20, água; a Ceia do Senhor: Mateus 26.26-29, pão e taça).

Além disso, protestantes discordam que esses sacramentos sejam eficazes no sentido de se conferir graça ex opere operato pelo simples ato de se ministrar o sacramento. Quando um padre ministra o Batismo, por exemplo, a graça é infundida no infante e ele é limpo do pecado original, nascido de novo, e incorporado em Cristo e sua Igreja. Seu batismo é eficaz não importando o estado moral do padre que ministra o sacramento, e o infante, claramente, não possui uma disposição para ser salvo. Os protestantes enfatizam a associação do batismo e a Ceia do Senhor com a Palavra de Deus e com a fé que aceita a graça de Deus, a qual não é infundida nas pessoas.

O número, a natureza e a ministração dos sacramentos continua a ser um grande ponto de divisão entre católicos e protestantes.

PURGATÓRIO

De acordo com a teologia católica, se um católico morre na graça de Deus (não tendo um pecado mortal não confessado que o condenaria ao inferno), mas não está plenamente purificado, ele vai para o purgatório. Esse é um estado temporal de purificação final da mancha do pecado perdoado, purificando-o, de modo que ele por fim irá para o céu. Embora ele passe por um sofrimento passivo no purgatório, sua experiência pode ser abreviada. Os santos no céu intercedem por ele. Católicos que estão vivos também rezam por ele e entregam dinheiro para que as Missas sejam celebradas em seu favor e obtém indulgências em seu nome. Uma indulgência redime a totalidade de uma punição temporal ou parte dela.

A teologia protestante diverge dessa doutrina porque sua base é oriunda de 2Macabeus 12.38-45, um escrito apócrifo, e de uma interpretação equivocada de outros textos bíblicos (1Coríntios 3.15; Mateus 12.32). Além disso, se a justificação declara um pecador não como “não culpado”, mas sim como “justo”, não há necessidade para uma purificação posterior do pecado após a morte.

O purgatório continua a ser uma grande diferença entre católicos e protestantes.

Ainda em reforma

Embora algumas coisas tenham mudado na Igreja Católica Romana para aproximar católicos e protestantes depois de quinhentos anos, muitas grandes diferenças continuam a separá-los. Uma abordagem a este dilema é minimizar a separação. Prevê-se, por exemplo, que o Papa Francisco fará uma declaração no próximo ano de que a Reforma acabou. Trabalhando com a Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação, ele enfatizará os pontos de concordância alcançados nesta doutrina outrora divisiva e ressaltará que os anátemas (condenações) do século 16 de protestantes feitos por católicos e de católicos feitos por protestantes estão removidos. Desta forma, a Reforma irá formalmente terminar.

Tragicamente, esta perspectiva falha em abordar as diferenças contínuas entre as duas tradições. A Igreja Católica ainda mantém doutrinas inverídicas sobre justificação, salvação, autoridade, transubstanciação, Maria, os sete sacramentos que são eficazes ex opere operato e o purgatório. Não é útil contornar essas questões pelo bem da unidade, utilizando o menor denominador comum como abordagem.

Embora possamos concordar que muitas coisas mudaram, também devemos concordar que a Reforma permanece inacabada.

Traduzido por Jonathan Silveira e revisado por Tiago Silva.

Texto original: Has Rome Really Changed Its Tune? Desiring God.

Seja corajoso e seja homem

O rei Davi já no final de sua vida, logo após passar a sucessão do trono para seu filho Salomão, o aconselha com as seguintes palavras:

“Vou para onde todos na terra irão algum dia. Seja corajoso e seja homem. Obedeça às ordens do Senhor, seu Deus, e siga os caminhos dele. Guarde os decretos, mandamentos, estatutos e preceitos escritos na lei de Moisés, para que seja bem-sucedido em tudo que fizer e por onde quer que for.” (1 Reis 2:2,3)

Que conselhos preciosos vindo de um pai que foi chamado de “um homem segundo o coração de Deus”. Penso que não há conselhos melhores do que estes, afinal, o que é mais importante nessa vida se não for “obedecer às ordens de Deus e seguir o seu caminho”?

Fazer isso, sem dúvidas exige coragem e hombridade. Vivemos em uma cultura que caminha a passos largos na contra-mão dos ensinamentos de Deus, uma cultura que não só não obedece a Deus e nem segue os seus caminhos, como zomba e persegue aqueles que o fazem. Vivemos em uma cultura que “chama o certo de errado e o errado de certo”. Sendo assim, precisamos trazer esse conselho em nossas mentes, pois ele ainda é válido para nós: seja corajoso e seja homem! Devemos seguir obedecendo a Deus e caminhando nos seus caminhos, mesmo contra uma cultura relativista e pagã.

No evangelho de João lemos que:

“Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me manifestarei a ele.” (João 14:21)

Lemos também, em outra porção das Escrituras:

“Então Jesus disse aos seus discípulos:— Se alguém quer vir após mim, negue a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.” (Mateus 16:24)

O mundo é hostil ao cristianismo, mas seja corajoso e seja homem; nosso Senhor venceu o mundo! Se ele venceu, nós venceremos também. Prossigamos, amando, obedecendo e seguindo os passos do nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo.

Soli Deo gloria

Bons Motivos para ler a Bíblia diariamente

A Bíblia é o livro mais importante da humanidade e sempre serviu de inspiração aos grandes homens do passado e do presente, produzindo em seres comuns, os maiores sentimentos morais e intelectuais possíveis. Ela já foi proibida, perseguida, queimada e ridicularizada, mas permaneceu viva provando ser um livro inigualável. Ela é a palavra de Deus capaz de transformar e mudar de forma esplêndida a vida daqueles que dela se aproximam com um coração puro e reverente.

Para os cristãos ela é o guia, a regra de fé, a bússola, a espada que penetra a alma, o martelo que esmiúça a penha, a revelação e a luz que tudo ilumina.

Se o cristão pretende ter uma vida abundante e espiritual, não pode de forma alguma negligenciar este livro, a leitura e prática deve ser diária como uma luta constante.

3 Motivos para ler a Bíblia Diariamente

1- Ela alimenta a Alma

Assim como o corpo físico precisa se alimentar, ingerindo uma alimentação equilibrada com as proteínas necessária para o bom desenvolvimento do organismo inteiro, a alma e o espírito também precisa da alimentação adequada para seu desenvolvimento.

A Bíblia é o alimento da alma e do espírito, pois ela é a única literatura no mundo capaz de alcançar o mais íntimo do ser humano, por ter sido inspirada por Deus. A alma humana anseia desesperadamente um contato íntimo com o Criador, retornando ao ponto de referência perdido por este mundo de confusões e pecado.

Por tanto, ler a bíblia de forma constante irá nos alimentar espiritualmente e nos fornecer as ”proteínas” necessárias para uma vida espiritual e material plena. ”Desejai afetuosamente, como meninos novamente nascidos, o leite racional, não falsificado, para que, por ele, vades crescendo” (1 Pe 02:02).

Jesus nos dá uma dica clara desta questão, quando em sua tentação no deserto, contrapõe o diabo em seus argumentos materialistas e falaciosos. ”Ele, porém, respondendo, disse: Está escrito: Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Mt. 04.04).

2- Ela Aumenta a Fé

A Fé é o requisito essencial para um relacionamento perfeito com Cristo e sem ela não podemos agradar a Deus. ”Ora, sem fé é impossível agradar-lhe; porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe, e que é galardoador dos que o buscam” (Hebreus 11:6).

As Escrituras Sagradas aumentam a nossa fé, na medida em que buscamos com sinceridade os conselhos do Senhor revelados na palavra, nos fortalecendo e acrescentando esperança nas promessas registradas nela.

Em momentos de fraqueza espiritual, muitos abandonam o convívio cristão se voltando à coisas que não edificam, e que somente distrai. Nestes momentos é preciso buscar forças em Deus, tanto na comunhão com os irmãos, na oração e principalmente nas escrituras, que certamente o fortalecerá, aumentando a fé para vencer os obstáculos. Ler a Bíblia diariamente em meditação e reflexão é a maneira perfeita de ter a fé necessária para estar firme diante dos dardos do inimigo e vencê-los. ”De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus” (Rm 10:17).

3- Ela nos ensina a vontade de Deus

Andar com Cristo e não reconhecer e entender seus planos é algo que não devemos fazer, já que sem conhecermos sua vontade e nos aplicarmos em cumpri los não podemos amá-lo e servi-lo adequadamente. ”Vós sois meus amigos, se praticais o que Eu vos mando” (João 15:14).

Muitos cristãos da atualidade vivem sua caminhada cristã, crendo em coisas que receberam de outros, e não estou querendo dizer que não devemos aprender uns com outros, pelo contrário. Mas viver a vida com Cristo sem ter um contato íntimo com as escrituras é como dizer que é formado em medicina sem nunca ter estudado o assunto, ou seja é absolutamente absurdo.

A Vontade de Deus é que todos os conheçamos de forma plena, pela experiência pessoal e pela revelação das escrituras. Todos nós sabemos, que as experiências que um crente pode ter neste mundo são apenas aspectos da glória de Deus, e que elas não podem ser o parâmetro para medir a plenitude da vontade do Senhor, ou seja, elas são apenas gotas em um oceano. Cristo é a plenitude, e a vontade de Deus foi nos dada por revelação nos textos sagrados. ”Jesus, porém, respondendo, disse-lhes: Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus” (Mateus 22:29).

Sendo assim, a bíblia é a maneira segura de conhecermos a vontade do Senhor e consequentemente vivê-la de forma a agradar a Deus verdadeiramente.

Finalizando

Espero de todo coração, que este breve resumo, possa lhe encorajar a ler as sagradas letras de forma abundante e que através da leitura e reflexão possamos crescer ainda mais na presença de Deus e realmente fazermos a diferença nesses tempos de apostasia.

”Antes, crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A Ele seja a glória, agora e no Dia eterno! Amém” (2 Pe 03:18).

Solio Deo gloria

A adaptação como forma de negação

“Quem, pois, me confessar diante dos homens, eu também o confessarei diante do meu Pai que está nos céus. Mas aquele que me negar diante dos homens, eu também o negarei diante do meu Pai que está nos céus. – Mateus 10:32,33

As palavras de Jesus a respeito da confissão pública como uma confirmação de fé a Deus nos fazem refletir as formas sutis de negação e os riscos delas. Existe, em primeiro plano, a negação direta e exposta da existência de Deus e, consequentemente, da existência do Cristo. No entanto, mais perigosa que ela, é a adaptação do evangelho às ideias de cada um.

Na necessidade clara de se aproximar de um ser redentor sem querer deixar as práticas e os pensamentos atuais, aproxima-se a pessoa de Jesus a esse conjunto antropocêntrico de ver a vida, de maneira que Ele passa a ser retratado como gay, em representação à comunidade LGBTQIA+, Hippie, para liderar o movimento “paz e amor”, mulher, para “amenizar o patriarcalismo”, negro para combater o racismo.

Perceba como existe um movimento de “encurtamento de espaços” para que Jesus possa confessar os homens diante de Deus. Nesse entendimento, igrejas têm se contaminado a fim de promover e avalizar essas adaptações em maior escala, abandonando os exemplos de culto e de vida em comunidade relatados pela Bíblia. Lord Carey, Arcebispo da Igreja Anglicana de Cantuária, disse: “A Igreja da Inglaterra encontra-se a somente uma geração de sua extinção”. A conclusão dele aconteceu a partir do êxodo de jovens e adultos do cristianismo e de uma migração para o islamismo.

Se no cenário europeu, os ensinamentos enraizados e inegociáveis disseminados pelos muçulmanos geraram um crescimento de adeptos, a percepção de Carey não é restrita ao Velho Mundo. Ano após ano vemos uma inclinação para deturpar a fé apostólica, bíblica, que foi dada aos pais e aos apóstolos, e substituí-la por um conjunto de ensinamentos parecido, afinal, precisamos confessar Jesus para sermos confessados diante de Deus. Basta que flexibilizemos uma ordem aqui, um mandamento acolá e pronto: #somostodosdeCristo. Ou Ele seria capaz de negar alguém que está mais perto do que antes?

Soli Deo gloria

Identidade

Não existiu ninguém como Davi diante dos homens nem houve alguém como ele aos olhos de Deus. Depois da sua morte, havia um memorial diante do Eterno, tanto que repetidamente vemos citações na Bíblia como “por amor a Davi farei”…

Já parou para pensar sobre o que fazia de Davi alguém fora do comum? Ele simplesmente era quem era e isso era natural para ele. Pode parecer redundante e ridiculamente simples, mas esse é o ponto: Davizinho tinha uma identidade e não queria ser quem não era. Existe algo incrível em aceitar a própria identidade e história. Há um mistério sobre isso que só você mesmo pode desvendar em Deus. Trata-se de quem você é na sua essência e como Deus se move através da história que desenhou para você.

Davi era sincero e fazia suas canções para Deus de coração. Era corajoso diante das adversidades, mas na presença de Deus ele revelava toda a sua fragilidade. Creio que isso atrai o coração de Deus. Ser alguém que diz o que quer dizer e sabe que depende do Todo Poderoso.

Um episódio em especial sobre a vida de Davi é o confronto entre ele e Golias. Saul oferece a sua armadura, mas Davi vê que não serve e decide não usar. Davi entende o próprio tamanho e enxerga que o método de Saul não é o dele. E de forma inusitada, mas eficaz, ele derrota Golias.

Trazendo isso para a realidade: a sua trajetória tem importância dentro daquilo que você foi chamado para ser; é o caminho que leva para o destino. Você carrega a história dos seus pais com você. Eles sofreram para que você fosse quem é. E isso é real no mundo espiritual. Um preço foi pago para que você pudesse usufruir da própria identidade. Deus age como um “compensador dos sofrimentos”, certamente os seus pais geraram uma herança espiritual que você pode não compreender imediatamente, mas ela é real. Você só precisa aceitar o que herdou e não ficar olhando para os outros para medir a sua existência. Existe algo de Deus sobre a sua vida!

Outro ponto importante sobre Davi foi a inimizade com Saul, que forjou o seu interior. A oposição de Saul era como uma pressão constante que o transformava em um homem melhor e mais dependente de Deus. O inimigo, como bom antagonista, sempre apontava para as suas fraquezas, fazendo com que Davi tivesse que consertar suas falhas. Olhando dessa perspectiva, é como se Saul fosse seu melhor amigo, seu maior aliado.

Eu escrevo isso porque Deus tem transformado o meu coração. Tem feito enxergar melhor a minha identidade e a maneira que Ele se move através de mim. Deus me fez enxergar as coisas incríveis que Ele gerou em mim, mas já houve um tempo em que eu não via com essas lentes cor de rosa. Até o que eu achava que estava me “matando” era o que mais estava me fazendo bem. Oposições que eu sofria que resultaram em grandes resultados porque eu decidi aceitar o que Deus queria fazer em mim, e Ele só queria me fazer melhor.

Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito. – Romanos 8:28

Soli Deo gloria

Festas Juninas

A festa celebra o nascimento de João Batista, que virou um dos santos católicos. É realizada no dia 24 de junho com base no fato que João Batista havia nascido seis meses antes de Jesus (Lc 1:26,36). Se o nascimento de Jesus (Natal) é celebrado em 25 de dezembro, então o de João Batista é celebrado seis meses antes, em 24 de junho. É claro que estas datas são convenções, apenas, pois não sabemos ao certo a data do nascimento do Senhor.

A origem das fogueiras nas celebrações deste dia é obscura. Parece que vem do costume pagão de adorar seus deuses com fogueiras. Os druidas britânicos, segundo consta, adoravam Baal com fogos de artifício. Depois a Igreja Católica inventou a história que Isabel acendeu uma fogueira para avisar Maria que João tinha nascido. Outra lenda é que na comemoração deste dia, fogueiras espontâneas surgiram no alto dos montes.

Já a quadrilha tem origem francesa, sendo uma dança da elite daquele país, que só prosperou no Brasil rural. Daí a ligação com as roupas caipiras. Por motivos obscuros acabou fazendo parte das festividades de São João.

Fazem parte ainda das celebrações no Brasil (é bom lembrar que estas festas também são celebradas em alguns países da Europa) as comidas de milho – provavelmente associadas com a quadrilha que vem do interior – as famosas balas de “Cosme e Damião.” São realizadas missas e procissões, muitas rezas e pedidos feitos a São João. As comidas são oferecidas a ele.

Se estas festividades tivessem somente um caráter religioso e fossem celebradas dentro das igrejas como se fossem parte das atividades dos católicos, não haveria qualquer dúvida quanto à pergunta, “pode um evangélico participar?” Acontece que as festas juninas foram absorvidas em grande parte pela cultura brasileira de maneira que em muitos lugares já perdeu o caráter de festa religiosa. Para muitos, é apenas uma festa onde acendem-se fogueiras, come-se milho preparado de diferentes maneiras e soltam-se fogos de artifício, sem menção do santo, e sem orações ou rezas feitas a ele.

Paulo enfrentou um caso semelhante na igreja de Corinto. Havia festivais pagãos oferecidos aos deuses nos templos da cidade. Eram os crentes livres para participar e comer carne que havia sido oferecida aos ídolos? A resposta de Paulo foi tríplice:

O crente não deveria ir ao templo pagão para estas festas e ali comer carne, pois isto configuraria culto e portanto, idolatria (1Cor 10:19-23). Na mesma linha, eu creio que os crentes não devem ir às igrejas católicas ou a qualquer outro lugar onde haverá oração, rezas, missas e invocação do São João, pois isto implicaria em culto idólatra e falso.

O crente poderia aceitar o convite de um amigo pagão e comer carne na casa dele, mesmo com o risco de que esta carne tivesse sido oferecida aos ídolos. Se, todavia, houvesse alguém presente ali que se escandalizasse, o crente não deveria comer (1Cor 10:27-31). Fazendo uma aplicação para nosso caso, se convidado para ir a casa de um amigo católico neste dia para comer milho, etc., ele poderia ir, desde que não houvesse atos religiosos e desde que ninguém ali ficasse escandalizado.

E por fim, Paulo diz que o crente pode comer de tudo que se vende no mercado sem perguntar nada. A exceção é causar escândalo (1Cor 10:25-26). Aplicando para nosso caso, não vejo problema em o crente comer milho, pamonha, mungunzá, etc. neste dia e estar presente em festas juninas onde não há qualquer vínculo religioso, desde que não vá provocar escândalos e controvérsias. Se Paulo permitiu que os crentes comessem carne que possivelmente vieram dos templos pagãos para os açougues, desde que não fosse em ambiente de culto, creio que podemos fazer o mesmo, ressalvado o amor que nos levaria à abstinência em favor dos que se escandalizariam.

O Culto Espiritual, Augustus Nicodemus Lopes. Cultura Cristã, 2012:

“A situação de Corinto era diferente. O problema lá não era o mesmo tratado no concílio de Jerusalém. O problema não era os escrúpulos de judeus cristãos ofendidos pela atitude liberal de crentes gentios quanto à comida oferecida aos ídolos. Portanto, a solução de Jerusalém não servia para Corinto. É provavelmente por esse motivo que o apóstolo não invoca o decreto de Jerusalém.[1] Antes, procura responder às questões que preocupavam os coríntios de acordo com o princípio fundamental de que só há um Deus vivo e verdadeiro, o qual fez todas as coisas; que o ídolo nada é nesse mundo; e que fora do ambiente do culto pagão, somos livres para comer até mesmo coisas que ali foram sacrificadas.

1. A primeira pergunta dos coríntios havia sido: era lícito participar de um festival religioso num templo pagão e ali comer a carne dos animais sacrificados aos deuses? Não, responde Paulo. Isso significaria participar diretamente no culto aos demônios onde o animal foi sacrificado (1 Co 10.16-24). Paulo havia dito que os deuses dos pagãos eram imaginários (1 Co 10.19). Por outro lado, ele afirma que aquilo que é sacrificado nos altares pagãos é oferecido, na verdade, aos demônios e não a Deus (10.20). Paulo não está dizendo que os gentios conscientemente ofereciam seus sacrifícios aos demônios. Obviamente, eles pensavam que estavam servindo aos deuses, e nunca a espíritos malignos e impuros. Entretanto, ao fim das contas, seu culto era culto aos demônios.[2] Paulo está aqui refletindo o ensino bíblico do Antigo Testamento quanto ao culto dos gentios:

Sacrifícios ofereceram aos demônios, não a Deus… (Dt 32.17)

…pois imolaram seus filhos e suas filhas aos demônios (Sl 106.37).

O princípio fundamental é que o homem não regenerado, ao quebrar as leis de Deus, mesmo não tendo a intenção de servir a Satanás, acaba obedecendo ao adversário de Deus e fazendo sua vontade. Satanás é o príncipe desse mundo. Portanto, cada pecado é um tributo em sua honra. Ao recusar-se a adorar ao único Deus verdadeiro (cf. Rm 1.18-25), o homem acaba por curvar-se diante de Satanás e de seus anjos.[3] Para Paulo, participar nos festivais pagãos acabava por ser um culto aos demônios. Por esse motivo, responde que um cristão não deveria comer carne no templo do ídolo. Isso eqüivaleria a participar da mesa dos demônios, o que provocaria ciúmes e zelo da parte de Deus (1 Co 10.21-22). Paulo deseja deixar claro para os coríntios “fortes”, que não tinham qualquer intenção de manter comunhão com os demônios, que era a atitude deles em participar nos festivais do templo que contava ao final. Era a força do ato em si que acabaria por estabelecer comunhão com os demônios.[4]

2. Era lícito comer carne comprada no mercado público? Sim, responde Paulo. Compre e coma, sem nada perguntar (1 Co 10.25). A carne já não está no ambiente de culto pagão. Não mantém nenhuma relação especial com os demônios, depois que saiu de lá. Está “limpa” e pode ser consumida.

3. Era lícito comer carne na casa de um amigo idólatra? Sim e não, responde Paulo. Sim, caso não haja, entre os convidados, algum crente “fraco” que alerte sobre a procedência da carne (1 Co 10.27). Não, quando isso ocorrer (1 Co 10.28-30).

O ponto que desejo destacar é que para o apóstolo Paulo a carne que havia sido sacrificada aos demônios no templo pagão perdia a “contaminação espiritual” depois que saia do ambiente de culto. Era carne, como qualquer outra. É verdade que ele condenou a atitude dos “fortes” que estavam comendo, no próprio templo, a carne sacrificada aos demônios. Mas isso foi porque comer a carne ali era parte do culto prestado aos demônios, assim como comer o pão e beber o vinho na Ceia é parte de nosso culto a Deus. Uma vez encerrado o culto, o pão é pão e o vinho é vinho. Aliás, continuaram a ser pão e vinho, antes, durante e depois. A mesma coisa ocorre com as carnes de animais oferecidas aos ídolos. E o que é verdade acerca da carne, é também verdade acerca de fetiches, roupas, amuletos, estátuas e objetos consagrados aos deuses pagãos. Como disse Calvino,

Alguma dúvida pode surgir se as criaturas de Deus se tornam impuras ao serem usadas pelos incrédulos em sacrifícios. Paulo nega tal conceito, porque o senhorio e possessão de toda terra permanecem nas mãos de Deus. Mas, pelo seu poder, o Senhor sustenta as coisas que tem em suas mãos, e, por causa disto, ele as santifica. Por isso, tudo que os filhos de Deus usam é limpo, visto que o tomam das mãos de Deus, e de nenhuma outra fonte.[5]”

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Notas:

Autor: Augustus Nicodemus
[1] Note que Paulo não teve qualquer problema em anunciar o decreto em Antioquia, o que produziu muito conforto entre os irmãos (At 15.30-31).
[2] Não somente Paulo, mas os cristãos em geral tinham esse conceito. João escreveu: “Os outros homens, aqueles que não foram mortos por esses flagelos, não se arrependeram das obras das suas mãos, deixando de adorar os demônios e os ídolos de ouro, de prata, de cobre, de pedra e de pau, que nem podem ver, nem ouvir, nem andar” (Ap 9.20).
[3] Cf. Charles Hodge, A Commentary on 1 & 2 Corinthians (Carlisle, PA: Banner of Truth, 1857; reimpressão 1978) 193.
[4] Hodge (1 & 2 Corinthians, 194) chama a nossa atenção para o fato de que o mesmo princípio se aplica hoje aos missionários que, por força da “contextualização”, acabam por participar nos festivais pagãos dos povos. Semelhantemente, os protestantes que participam da Missa católica, mesmo não tendo intenção de adorar a hóstia, acabam cometendo esse pecado, ao se curvar diante dela.
[5] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, em Comentário à Sagrada Escritura, trad. Valter G. Martins (São Paulo: Paracletos, 1996) 320.

O que é a Teologia Sistemática?

A palavra “teologia” vem de duas palavras gregas que significam “Deus” e “palavra”. Combinadas, temos a palavra “teologia”, que significa “estudo de Deus”. A palavra “sistemática” se refere a algo que colocamos em um sistema. Teologia sistemática é, então, a divisão da Teologia em sistemas que explicam suas várias áreas. Por exemplo, muitos livros da Bíblia dão informações sobre os anjos. Nenhum livro sozinho dá todas as informações sobre os anjos. A Teologia Sistemática coleta todas as informações sobre os anjos de todos os livros da Bíblia e as organiza em um sistema: Angelologia. Isto é a Teologia Sistemática: a organização de ensinamentos da Bíblia em sistemas de categorias.

Teologia Própria é o estudo de Deus o Pai. Cristologia é o estudo de Deus o Filho, o Senhor Jesus Cristo. Pneumatologia é o estudo de Deus o Espírito Santo. Bibliologia é o estudo da Bíblia. Soteriologia é o estudo da salvação. Eclesiologia é o estudo da igreja. Escatologia é o estudo do fim dos tempos. Angelologia é o estudo dos anjos. Demonologia Cristã é o estudo dos demônios sob uma perspectiva cristã. Antropologia Cristã é o estudo da humanidade. Hamartiologia é o estudo do pecado.

Teologia Bíblica é estudar um certo livro (ou livros) da Bíblia e enfatizar os diferentes aspectos da Teologia que ele focaliza. Por exemplo, o Evangelho de João é muito Cristológico, pois focaliza muito na divindade de Cristo (João 1:1,14; 8:58; 10:30; 20:28). A Teologia Histórica é o estudo das doutrinas e como elas se desenvolveram através dos séculos da igreja cristã. A Teologia Dogmática é um estudo das doutrinas de certos grupos cristãos que possuem doutrinas sistematizadas, por exemplo a Teologia Calvinista e Dispensacional. A Teologia Contemporânea é o estudo das doutrinas que se desenvolveram ou têm estado em foco recentemente. A Teologia Sistamática é uma importante ferramenta em nos ajudar a compreender e ensinar a Bíblia de uma forma organizada.

Soli Deo gloria

Não julgueis! Será mesmo?

É no mínimo uma incoerência intelectual sustentar um discurso como esse no cotidiano da vida. O ser humano atualmente não pode mais ser contestado ou corrigido, a razão para isso é o fato de que temos de amar ao invés de julgar. Diante disso, a pergunta que fica no ar é a seguinte: não existe amor em meio à correção? Discernir, julgar, tomar decisões, escolher entre um caminho e outro, uma opção e outra, corrigir, retomar, rejeitar, são atitudes inerentes à vida, fazem parte do desafio de existir desde quando o mundo é mundo. Estão querendo, então, pintar uma realidade em que o discernimento entre o bom e o ruim, o justo e o injusto, é algo dispensável e desprezível? Estão querendo que rasguemos nosso senso crítico como uma folha de papel rascunho e o atiremos na lata do lixo? Como assim? Negar isso é privar o ser humano da construção sadia da sua própria personalidade e de seus próprios valores, negar esse processo crítico inerente ao ser humano e todas as suas implicações seria o cúmulo da relativização. Se formos privados do direito e, por que não, do dever de julgar, cairemos num completo suicídio existencial, pense comigo, como poderiam se sustentar as relações e a convivência humana diante de tal quadro?

Temos fortes sinais deste tipo de pensamento, que é chamado de liberalismo moral, já presentes no seio da sociedade atual. Impunidade escancarada, multiculturalismo em prol do “bem comum”, relativização de inúmeros valores inegociáveis pela sociedade até então, flerte, pelo menos no ocidente, com a legalização de práticas como o aborto, zoofilia, pedofilia, canibalismo, e a máxima “o corpo é meu faço dele o que eu quiser” proclamada aos quatro cantos, gostem ou não. Tudo em nome da liberdade e da autonomia do ser humano. A mentira da vez é que o ser humano é livre, mesmo sendo claramente, escravo de suas próprias vontades, por mais bizarras que elas sejam. Não existe mais errado, tudo é relativo, cada um constrói a sua verdade e ninguém mais julga ninguém. Pergunta honesta: qual pessoa com o mínimo de senso crítico realmente acredita num discurso como esse? Então, quer dizer que todas estas pessoas que exigem que se pare com julgamentos também não julgam mais nada e ninguém? Isso não faz sentido! Estamos sendo imbecilizados, estão querendo impor sobre nós um consciente coletivo onde todo mundo deve pensar dentro de uma determinada caixa que abrange certas ideologias e aquele que não o fizer, automaticamente é considerado fundamentalista, retrógrado, mente fechada, ridículo, burro, ignorante, ditador e por aí vai. Querem nos tirar a capacidade de entender e discernir a realidade até o ponto que nos transformemos em seres de pensamento acrítico.

Deixar de exercer juízo sobre as pessoas e seus comportamentos em sociedade é escancarar as portas para que em pouquíssimo tempo coisas que hoje, ainda, são absolutos inquestionáveis tornem-se questionáveis, combatidos e vencidos. Imagine dentro de poucos anos, pedófilos com aval da sociedade para agirem livremente, como já tem sido amplamente discutido em países como Estados Unidos e Inglaterra. Ou então que o canibalismo seja legalizado mediante consenso mútuo dos envolvidos. O que você pensaria? Ah não! Vamos com calma, não podemos julgar! Percebem onde isso pode parar? Se o ser humano excluiu Deus de sua agenda e trabalha numa velocidade cada vez maior para extinguir todos os valores judaico-cristãos extraídos da Escritura Sagrada que ajudaram a construir toda a moral e ética do ocidente, o que vai nos restar? Qual balança iremos usar? A qual absoluto iremos recorrer? Gente, se cada um tem a sua verdade, pensa o que quer, faz o que quer, se não existe absoluto moral algum porque ninguém pode julgar ninguém em nome do amor, quem poderá falar com propriedade sobre o que é certo ou errado? Não existe autoridade. A alegação de um pedófilo será, por exemplo, que se envolver sexualmente com uma criança é uma forma que ele tem de demonstrar amor por ela. Se tudo é relativo e cada um tem sua verdade, quem, legitimamente, poderá contestar o argumento deste homem? Conseguem compreender que se aprofundarmos um pouco mais as implicações desse discurso politicamente correto no cotidiano da vida podemos estar comprometendo a nossa ordem como humanidade? Onde vamos parar?

Obviamente, esse texto não tem por objetivo esgotar a discussão, mas o argumento que o ser humano é autônomo e pode fazer o que quiser, contanto que não desrespeite a existência do outro é perigosíssimo. O ser humano não é autônomo, antes, é formado por inúmeros fatores que o afetam desde criança; família, ambientes, crenças, sejam religiosas ou não, atividades, criação, escolaridade, tudo isso compõe uma gama enorme de influências sobre a mente de um indivíduo. O ser humano não pode conceber sua existência como uma ilha, esse argumento é falho, fomos criados para viver em comunidade, tudo que fizermos reverberará direta ou indiretamente no nosso próximo. Amigos, o que seria do “eu” sem o “tu”? Em última instância, não estaríamos nem aqui, não haveria raça humana. O indivíduo achar que aquilo que ele faz, seja de bom ou de ruim, repercute apenas e exclusivamente nele mesmo é, no mínimo, inocência.

Por tudo isso, o exercício do discernimento e do julgamento tão combatido atualmente, é e sempre foi fundamental para o bom andamento da convivência e da ordem das coisas. No entanto, a ideia aplaudida e reverenciada nos dias atuais é o franco combate ao ato de se julgar, esta ideia, na grande maioria das vezes, tem sido fundamentada erradamente sobre os ensinos de Cristo registrados na Escritura Sagrada, e a este ponto gostaria de me dedicar neste momento. Vejamos o principal texto utilizado para sustentar essa posição:

Não julguem os outros para vocês não serem julgados por Deus. Porque Deus julgará vocês do mesmo modo que vocês julgarem os outros e usará com vocês a mesma medida que vocês usarem para medir os outros. Por que é que você vê o cisco que está no olho do seu irmão e não repara na trave de madeira que está no seu próprio olho? Como é que você pode dizer ao seu irmão: “Me deixe tirar esse cisco do seu olho”, quando você está com uma trave no seu próprio olho? Hipócrita! Tire primeiro a trave que está no seu olho e então poderá ver bem para tirar o cisco que está no olho do seu irmão. (Mt 7.1-5 NTLH)

Claro que a prática de se julgar indiscriminada e levianamente é combatida de forma contundente por Cristo! Isso é óbvio! Nós como seres humanos falhos, temos de nos policiar em todo o tempo, pois, para nós é natural criticar e denegrir o outro com muito mais facilidade do que a nós mesmos. Esse posicionamento é desprezível e aquele que age assim é chamado pelo próprio Cristo de “hipócrita”. O julgamento hipócrita é feito por aqueles que não têm autoridade alguma para julgar o assunto que estiver em questão. O ensinamento de Cristo nesse caso é “tire primeiro a trave que está no seu olho e então poderá ver bem para tirar o cisco que está no olho do seu irmão”. Notem que ele diz “tire a trave do olho para que, então, esteja apto para tirar o cisco do olho do seu irmão”. Jesus não condena o ato de tirar o cisco do olho do irmão, e sim, a atitude hipócrita, desprovida de amor, de condenar alguém sem que tenhamos autoridade alguma para fazê-lo.

O julgamento cristão nunca deve ser desprovido de compaixão e amor por aquele que está sendo julgado. O próprio Deus “corrige a quem ele ama e castiga a quem ele aceita como filho” (Hb 12.6-7). Dizer que Jesus condena todo e qualquer julgamento é infantilidade mimada de quem busca um espaço inexistente nos ensinos bíblicos para avalizar suas práticas erradas. O próprio Cristo combate a postura infantil dos judeus de sua época e ordena: “julguem segundo a reta justiça”, leiam João 7 e tirem suas próprias conclusões. O mesmo Jesus que diz “não julgueis”, agora diz “julgai segundo a reta justiça”? Está Cristo se contradizendo ou somos nós que não estamos o entendendo? Fico com a última resposta. Basta uma busca honesta e corajosa pela Escritura e veremos que somos ordenados a combater falsos mestres, falsos ensinos, dominar, administrar e sujeitar a terra como bons mordomos, trata-se de uma tarefa grandiosa e para cumprimos estas coisas julgar é e sempre será imprescindível.

Com esse discurso politicamente correto de “não julgueis” estamos barateando o sacrifício de Jesus Cristo na cruz do calvário, como se todo seu sofrimento e morte fossem o passe-livre que precisávamos para viver uma vida promíscua e despreocupada com a santidade. As vezes tenho a impressão que em certas ocasiões a expressão “não julgueis” significa muito mais um “deixe-me pecar em paz” do que qualquer outra coisa. Sinceramente, esse pensamento me assusta. Todo o plano de Deus não é e nunca foi sacrificar o seu Filho para que o homem pudesse ficar livre e tranquilo para praticar seus pecados sentido-se perdoado, não! Deus penalizou-se a si mesmo, matando seu Filho amado, para que pudéssemos, enfim, nos livrar do jugo do pecado! Por mais formoso que possa parecer aos nossos olhos, o pecado é mau e nos afasta de Deus. Parece que estamos tentando arrumar uma desculpa para trilhar exatamente o caminho oposto. O ser humano é pecador e vai cair, sim! Vai pecar, sim! E justamente nesta hora temos de ser ainda mais amorosos e gentis com aquele que cai, estendo-lhe mãos de socorro, perdão e correção. No entanto, não é porque temos de ser amorosos, que faremos vistas grossas e seremos condescendentes com o erro. Se você quer saber o quanto o pecado é detestável para Deus, olhe para a cruz, veja o que Ele fez Cristo, seu Único Filho, padecer por causa do seu e do meu pecado! Se você quer saber o quanto Deus ama o ser humano e quer que ele se livre do salário do pecado, olhe para cruz! A cruz é o cenário mais estonteante da história!

Muitos pregam o maravilhoso evangelho do “eu também não a condeno” de João 8.11, mas, se esquecem de pregar o não menos maravilhoso evangelho do “agora vá e abandone sua vida de pecado” do mesmo João 8.11. É preciso entender que esta segunda afirmação também é carregada de amor, bondade e cuidado de Deus. Cristo só pôde dizer àquela mulher “eu também não a condeno” porque sabia que muito em breve ele padeceria horrores numa cruz em pagamento dos pecados dela, alguém teria de pagar aquela conta. O Filho de Deus ofereceu sacrifício alto demais para que vivamos conformados à lama do pecado. É importante refletir que na grande maioria das vezes crescemos e aprendemos muito mais com as dificuldades e tempestades da vida do que com os momentos de bonança. Correção é dádiva! Seguir a Cristo implica em constante luta contra nossa natureza pecaminosa. Foi sempre assim, o apóstolo Paulo já dizia aos coríntios: “esmurro o meu corpo e faço dele meu escravo, para que depois de ter pregado aos outros, eu mesmo não venha a ser reprovado”. Vejo muita gente falando por aí que Deus é amor, mas quase ninguém dizendo com a mesma ênfase que Ele também é santo, do mesmo jeito e na mesma essência. Permitam-me uma ousadia teológica, se fôssemos examinar ao longo de toda Escritura, o único atributo de Deus que é repetido três vezes é o atributo de sua santidade. Em nenhum lugar vemos Deus sendo chamado de justo, justo, justo, ou, amor, amor, amor. Servimos a um Deus que é Santo, Santo, Santo e seu amor não existe e nunca existiu em detrimento de sua santidade. Portanto, por mais dolorido que seja, que nos alegremos nos momentos em que formos julgados “segundo a reta justiça”, este será sempre um grande sinal de que Deus nos ama e quer o melhor para nós. Que combatamos sim, em nosso meio, a prática leviana do julgamento hipócrita, desprovido de amor que não aponta para glória de Deus e para recuperação do próximo, tal comportamento deve ser banido do nosso coração e da nossa prática. Mas, que também nos posicionemos de modo a trazer maior lucidez e coragem para este tema que tem sido grosseiramente manipulado em detrimento de interesses que não atendem em absoluto a agenda do Reino de Deus. Que não transformemos o evangelho do Cristo Bendito em uma ideologia barata, ou numa espiritualidade a la carte onde cada um se serve daquilo que bem entende e julga ser correto e mais confortável para si.

Aliás, já perceberam que todos nós julgamos todo mundo e todas as coisas o tempo todo, e exigir que alguém pare de julgar é uma contradição lógica e ao mesmo tempo uma hipocrisia? Que tenhamos maior profundidade, coragem e maturidade em encarar as questões sérias que compõem a nossa realidade, sempre em amor, para glória de Deus e zelosos pelo próximo. As vezes é bem difícil, mas nunca foi tão necessário.

Soli Deo gloria

A Reforma Protestante e sua contribuição para a educação moderna

No dia 31 de outubro de 1517, Martinho Lutero fixou nas portas da Igreja de Wittenberg, na Alemanha, as 95 teses contra a venda de indulgências. A data marca o início da Reforma Protestante e de um novo momento na história da humanidade.

Nenhum aspecto da vida humana ficou intacto, pois abrangeu transformações políticas, econômicas, religiosas, morais, filosóficas, literárias e nas instituições. Foi, de fato, uma revolta e uma reconstrução do norte”, afirma o escritor Eby Frederick.

Na educação, os impactos foram determinantes. Na Idade Média, a igreja era a única responsável pela organização e manutenção da educação escolar. A partir do século 16, surgiram as nações-estados, que se opuseram ao poderio universal do papa e formou-se a classe média.

O historiador e professor da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, Rev. José Carlos de Souza, explica que o comércio, a atividade pública e as próprias igrejas, entre muitos outros setores, possuíam demandas que requeriam cuidadoso preparo. Toda mudança social traz novos desafios.

“Certamente, por essa razão, Lutero sentiu-se impelido para falar e se pronunciou de modo enfático sobre a necessidade das autoridades civis investirem na educação”, avalia o professor.

Neste contexto, os movimentos da Renascença e da Reforma são precursores de profundas mudanças na concepção de ensino. “A educação começa a visar de modo claro e definido à formação integral do homem, o seu desenvolvimento intelectual, moral e físico”, conta o professor Ruy Afonso da Costa Nunes.

Cidadania – Martinho Lutero também estimula a criação de escolas para toda a população. Houve forte ênfase ao ensino para suprir as demandas da recém chegada sociedade moderna, com dimensões geográficas, políticas, econômicas, intelectuais e religiosas em transformação.

A contribuição da Reforma no contexto educacional é tamanha que, de acordo com o educador espanhol Lorenzo Luzuriaga, a educação pública teve origem nesta época. O movimento já estimulava a educação pública, universal e gratuita, para quem não poderia custeá-la.

“A educação pública, isto é, a educação criada, organizada e mantida pelas autoridades oficiais – municípios, províncias, estados – começa com o movimento da Reforma religiosa”, afirma Luzuriaga.

Em Aos conselhos de todas as cidades da Alemanha, para que criem e mantenham escolas cristãs, publicado em 1524, Martinho Lutero desafia a sociedade a promover uma educação integral. “Lutero queria todos os cidadãos bem preparados, para todas as tarefas na sociedade. Propôs uma escola cristã que visasse não uma abstração intelectual, mas a uma educação voltada para o dia-a-dia da vida”, explica o professor  Alvori Ahlert.

O pastor luterano Walter Altmann comenta a referência de Lutero para o desenvolvimento da educação. “Rompeu com o ensino repressivo, introduzindo o lúdico na aprendizagem. Amarrou o estudo das disciplinas a um aprendizado prático. Também lutou por boas bibliotecas, dentro de sua ótica cristocêntrica”, revela Altmann no livro Lutero e a Libertação.

“Pela graça de Deus, está tudo preparado para que as crianças possam estudar línguas, outras disciplinas e história, com prazer e brincando. As escolas já não são mais o inferno e o purgatório de nosso tempo, quando éramos torturados com declinações e conjugações. Não aprendemos simplesmente nada por causa de tantas palmadas, medo, pavor e sofrimento”, escreveu Martinho Lutero.

A aprendizagem construiria cidadãos capacitados, honestos e responsáveis. Era exatamente esta a necessidade do novo modelo de sociedade que surgia na época. De acordo com o pesquisador Evaldo Luis Pauly a rápida divulgação de ideias e concepções por meio da imprensa descoberta por Gutemberg, também contribuiu para que as iniciativas de estímulo educacional crescessem.

Universidades – As mudanças e ênfases da Reforma estimularam o surgimento das instituições de ensino. “A história das universidades nos estados alemães durante os séculos 16 e 17 foi determinada pelo progresso da religião e é quase idêntica a do desenvolvimento da teologia protestante”, declara Paul Monroe no livro História da Educação.

Nestor Beck diz que a Universidade de Wittenberg atraiu um número crescente de novos alunos, pela fama que passou a ter, entre os anos de 1517 a 1520. A Reforma Protestante deixou a concepção de que a ignorância é o grande mal para a verdadeira religião, por isso, superá-la é uma responsabilidade de todos. “O melhor e mais rico progresso para uma cidade é quando possui muitos homens bem instruídos, muitos cidadãos ajuizados”, dizia Martinho Lutero.

Expansão – O pensamento e o movimento protestante logo expandiram. A América do Norte, por exemplo, contou com a colonização de vários grupos protestantes, na chamada segunda reforma. O antropólogo e escritor Darcy Ribeiro afirma, no livro Universidade Necessária, que nos Estados Unidos o ensino superior “cresceu mais livre, democrático e fecundo”.

As igrejas cristãs prevalecem no cenário educacional norte-americano no século 17 e início do 18. O professor Almiro Schulz explica que após a independência dos Estados Unidos em 1776 e a separação entre igreja e estado, houve uma ênfase ao ensino superior público, secularizado e sob controle do estado.

“A igreja reagiu por meio da educação. As confissões, principalmente presbiteriana, batista, congregacional, metodista se lançaram no ensino superior”, conta o professor Almiro Schulz.

De acordo com o pastor e professor metodista José do Nascimento a participação metodista na educação se deu, de maneira consciente, a partir de 1820, devido a alteração da legislação da Conferência Geral, que permitiu aos bispos nomear clérigos metodistas para a direção de instituições de ensino. No início, a ênfase do ensino metodista era rural, mas se voltou mais tarde para o ensino superior.

Educação Metodista no Brasil – O professor metodista Elias Boaventura deixou informações importantes sobre a historiografia da educação da Igreja Metodista no Brasil. Em publicações ele declara que os missionários metodistas norte-americanos, que chegaram ao país a partir do final do século 19, foram portadores de um arrojado projeto de expansão religiosa, que incluía, de um lado, o trabalho de catequese e implantação da nova denominação, e do outro, a ênfase na educação.

Em 1871, foi organizada a primeira Igreja Metodista do Brasil, em São Paulo, e, em 1881, foi fundado o primeiro colégio, em Piracicaba-SP, o Piracicabano, representando, de acordo com Boaventura, o marco inicial das atividades educacionais da Igreja Metodista no Brasil.

“A iniciativa educacional logrou imediato apoio dos governantes, das elites políticas de tendência republicana, e de todos que viam no novo modelo, de inspiração liberal e iluminista, uma alternativa capaz de contribuir para o avanço do projeto educacional brasileiro”, afirmou Elias Boaventura.

O projeto metodista de educação foi implantado e destacou-se pela qualidade oferecida. Um dos primeiros historiadores metodistas, James Kennedy, revela que em Piracicaba-SP, logo começaram a afluir as crianças para o colégio que em pouco tempo foi reconhecido como o melhor na cidade, sendo frequentado pelos filhos das melhores famílias.

Além do Piracicabano, outras escolas como o Granbery, em Juiz de Fora-MG, o Bennet, no Rio de Janeiro-RJ, o Americano, de Lins-SP foram constituindo as marcas da educação metodista na região sudeste do país. No sul, instituições como o Colégio Americano, fundado em 1885 também propagaram o ensino identificado com pedagógico liberal.

A professora do Centro Universitário Metodista em Porto Alegre-RS, Denise Grosso da Fonseca, explica que na década de 80, a Igreja Metodista do Brasil, autônoma desde 1930, passou por momentos de profunda reflexão, redefinindo muitos aspectos de sua vida e trabalho. “A educação, preocupação fundamental dos metodistas desde sua origem, teve suas diretrizes repensadas à luz da palavra de Deus, do Credo Social e do Plano para Vida e Missão da Igreja Metodista”, declara.

A reflexão gerou o documento Diretrizes para a Educação, que foi aprovado pelo 13º Concílio Geral da Igreja Metodista, em 1982. O texto aponta que as práticas educativas devem ser norteadas por princípios que: desenvolvam consciência crítica da realidade; compreendam que o interesse social é mais importante que o individual; exercitem o senso e a prática de justiça e solidariedade; alcancem a realização como fruto do esforço comum; tomem consciência de que todos têm direito de participar de modo justo dos frutos do trabalho e reconheçam que, dentro de uma perspectiva cristã, útil é aquilo que tem valor social.

Fonte: Universidade Metodista de São Paulo.

Soli Deo gloria