O Quadrilátero de Wesley

“Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido, e que desde a infância sabes as sagradas letras, que podem fazer-te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus” (2 Tm 3:14,15).

Desde a Reforma Protestante, nós, evangélicos, reafirmamos a primazia das Escrituras na vida da Igreja. O sermão substituiu a missa como o ponto alto do culto, e uma Bíblia aberta passou a ocupar o lugar central, em vez do altar fechado. Esta vitória histórica nos recorda que a Palavra de Deus deve ser a fonte e o critério de toda a nossa fé. No entanto, é inegável que a teologia — chamada com propriedade de “ciência-mãe” — vem sendo relegada ao segundo plano em diversos segmentos evangélicos. Não são poucas as denominações que já não exigem preparo teológico para a ordenação pastoral, como se a vida cristã pudesse se sustentar apenas pela prática, sem reflexão.

O Dr. Vinicius Couto, ao refletir sobre a importância da teologia, usa uma imagem muito sugestiva: alguns enxergam a teologia como um esqueleto — estrutura rígida, mas sem vida. Outros vivem sua espiritualidade como uma água-viva — cheia de movimento, mas sem sustentação. A resposta não está em escolher entre estrutura ou vitalidade, mas em unir ambas: vida com forma, fogo com fundamento, experiência com verdade. Afinal, uma espiritualidade sem estrutura é tão perigosa quanto uma estrutura sem vida.

O Quadrilátero de Wesley

Por muito tempo, John Wesley foi lembrado apenas como um grande pregador avivalista. No entanto, pesquisas mais recentes têm redescoberto seu valor como teólogo. Uma de suas grandes contribuições foi sistematizar quatro elementos fundamentais para a formulação da fé cristã, conhecidos como o Quadrilátero de Wesley: as Escrituras, a razão, a tradição e a experiência.

Importante frisar: para Wesley, a Escritura sempre foi a primeira e a última palavra. As demais fontes — razão, tradição e experiência — tinham papel auxiliar, jamais concorrente.

1. As Escrituras

Wesley defendia que toda doutrina deve nascer, ser provada e finalmente confirmada pela Bíblia. A Palavra de Deus é, portanto, o ponto de partida e de chegada. Vivemos hoje em uma geração que prefere “várias verdades”, como se a Escritura fosse um livro de múltiplas interpretações válidas. Mas o próprio Cristo nos lembra: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17:17). Não há “minha verdade” ou “sua verdade”: há a Verdade, revelada em Cristo e nas Escrituras.

2. A razão

A razão não é inimiga da fé, mas instrumento dado por Deus para organizar aquilo que o Espírito nos revela. Paulo nos lembra que o Espírito testifica com o nosso espírito (Rm 8:16), e esse testemunho passa pelo crivo da mente. Wesley rejeitava tanto o misticismo sem base quanto o racionalismo frio. A razão, iluminada pela Palavra, impede que caiamos em exageros, como quando tudo é espiritualizado — desde tropeços na calçada até males hereditários.

3. A tradição

Em um tempo em que muitos associam “tradição” a algo ultrapassado, Wesley nos recorda que ela é um recurso precioso. Não falamos de tradições humanas inventadas, mas da herança da fé da Igreja ao longo dos séculos. Para ele, nenhuma doutrina é correta se não estiver em sintonia com a fé da Igreja Primitiva. Não é à toa que Paulo alertou Timóteo sobre aqueles que, movidos por coceira nos ouvidos, buscariam mestres que apenas confirmassem seus desejos (2 Tm 4:3). Hoje, movimentos que se dizem “resgates apostólicos” ou modelos como o G-12 distorcem esse princípio. Tradição não é inventar novidades, mas permanecer no que a Igreja sempre confessou.

4. A experiência

Por fim, Wesley lembrava que a fé cristã não é apenas racional ou histórica, mas também existencial. O Espírito Santo aplica ao coração a verdade da Palavra. Quando fomos justificados, Ele testificou que nossos pecados estavam perdoados; quando fomos santificados, Ele confirmou que fomos lavados. Contudo, Wesley sempre alertava: nenhuma experiência pessoal pode contradizer a Bíblia. O subjetivo só é válido se estiver em harmonia com o objetivo, que é a Palavra.


Conclusão

Razão, tradição e experiência são dons que enriquecem nossa caminhada. Mas somente as Escrituras são suficientes, inerrantes e infalíveis para fundamentar a fé. O desafio que temos hoje, como igreja do Senhor, não é apenas colocar a Bíblia no início e no fim, como Wesley ensinava, mas no início, no meio e no fim de toda a nossa vida cristã.

Assim, a Palavra não será apenas o livro da nossa estante, mas a lâmpada para os nossos pés e luz para o nosso caminho (Sl 119:105).