Nem arminiano nem calvinista

1. Introdução: a frase que soa piedosa, mas é perigosa

É muito comum ouvir, principalmente em debates teológicos ou rodas de conversa cristãs, a seguinte afirmação: “Não sou arminiano, nem calvinista, sou apenas bíblico.” À primeira vista, isso soa piedoso, humilde e até espiritual. Quem não gostaria de ser simplesmente “bíblico”? No entanto, por trás dessa frase aparentemente inocente, há uma falácia lógica e um equívoco teológico.

O problema não está no desejo de ser bíblico, mas na ilusão de que alguém lê e interpreta as Escrituras sem lentes, sem tradição e sem pressupostos. Ninguém é uma “tábula rasa” diante da Bíblia. Todos carregamos uma bagagem histórica, cultural e eclesial.


2. O que está em jogo: falácia e tradição

A falácia da frase está em apresentar um falso dilema: ou sigo a Bíblia ou sigo rótulos humanos. Isso não é verdade. O que chamamos de “rótulos” – arminiano, calvinista, luterano, batista, pentecostal – nada mais são do que formas de organizar, transmitir e defender uma interpretação sistemática da Escritura.

Assim como placas de trânsito não são o destino, mas guias para chegarmos nele, rótulos não substituem a Bíblia, mas indicam a rota interpretativa que assumimos. Rejeitá-los não elimina a tradição; apenas mascara a tradição que já seguimos, muitas vezes de maneira acrítica.


3. A Bíblia e o perigo da neutralidade ilusória

A ideia de que podemos ser “só bíblicos” confunde Sola Scriptura com Solo Scriptura. O princípio reformado de Sola Scriptura afirma que a Escritura é a única regra de fé e prática, mas lida e interpretada em comunidade, com a ajuda da tradição e do ensino da igreja. Já o Solo Scriptura é a caricatura individualista: “só eu e minha Bíblia”, como se o Espírito Santo tivesse começado a ensinar apenas a partir da minha geração.

Paulo já lidava com esse problema em Corinto: uns diziam “eu sou de Paulo”, outros “eu de Apolo”, outros ainda “eu de Cristo” (1Co 1.12). Curiosamente, os que afirmavam ser “só de Cristo” estavam, na prática, rejeitando a tradição apostólica, caindo na mesma carnalidade que os demais.

Um exemplo ainda mais claro é Apolo em Atos 18. Ele era poderoso nas Escrituras, mas precisou ser instruído mais exatamente por Priscila e Áquila. Ninguém lê a Bíblia sem lentes. Todos nós somos moldados e corrigidos pela comunidade de fé e pela tradição.


4. Exemplos práticos: o que acontece quando rejeitamos rótulos

No Brasil, vemos igrejas que se apresentam como “não denominacionais”, rejeitando rótulos históricos. Mas, na prática, são um amálgama de influências: um pouco de arminianismo, um pouco de calvinismo, pitadas de pentecostalismo e doses generosas de pragmatismo norte-americano. A ausência de rótulos explícitos não significa neutralidade, mas confusão.

Até mesmo movimentos pentecostais clássicos – como as Assembleias de Deus – possuem tradições, confissões e posicionamentos claros, ainda que muitos dos seus membros digam ser apenas “bíblicos”.


5. Humildade teológica: entre a arrogância e a anti-intelectualidade

Duas tentações rondam o povo de Deus:

  1. A arrogância intelectual – achar que um rótulo (como “calvinista”) garante superioridade espiritual e teológica.

  2. A anti-intelectualidade – rejeitar rótulos para evitar estudo e aprofundamento, vivendo de clichês espirituais.

Ambas são prejudiciais. O caminho reformado é o da humildade. Como disse Martyn Lloyd-Jones, não devemos nos gloriar em homens, mas também não devemos rejeitar o valor do pensamento sistematizado que nos ajuda a ser fiéis à Escritura.


6. Aplicação pastoral: rótulos como instrumentos de maturidade

Efésios 4.14–15 nos lembra que não devemos ser como crianças “levadas ao redor por todo vento de doutrina”. Aqui entra a função positiva dos rótulos: eles nos ajudam a ter clareza, identidade e consistência.

Ser reformado, arminiano ou pentecostal (no sentido histórico e bem definido) não é negar a Bíblia, mas afirmar que nossa leitura dela se alinha com uma tradição testada, debatida e defendida ao longo da história.

Rejeitar rótulos, por outro lado, abre espaço para cairmos em modismos, sincretismos e heresias, sem percebermos.


7. Conclusão: não é sobre rótulos, mas sobre fidelidade

A questão, portanto, não é se teremos ou não rótulos, mas quais rótulos assumiremos conscientemente. Fingir neutralidade é apenas um atalho para incoerência.

Ser “somente bíblico” é impossível no sentido absoluto; todos lemos com lentes. A questão é se nossas lentes foram moldadas pela tradição fiel da igreja de Cristo ou pelas ideologias do nosso tempo.

Que o Senhor nos dê maturidade para reconhecer que rótulos, quando usados com humildade e responsabilidade, são instrumentos que nos ajudam a permanecer firmes na Palavra e não sermos levados por ventos de doutrina.

O Brasil e o holocausto

Há decisões que não apenas marcam um governo, mas mancham a memória de um povo. A recente retirada do Brasil da Aliança Internacional em Memória do Holocausto é uma dessas decisões que entristece o coração e deve ser repudiada por todos aqueles que amam a verdade, a justiça e a memória histórica.

O Holocausto não foi um simples episódio da história; foi uma das maiores tragédias da humanidade, em que milhões de vidas — em sua maioria judeus — foram esmagadas pela máquina de ódio do nazismo. A memória desse horror não é negociável. Esquecer é permitir que as trevas se repitam. Como diz o sábio em Eclesiastes 1:11: “Já não há lembrança das coisas passadas; e das coisas futuras também não haverá memória entre os que hão de vir depois.” Por isso, cultivar a memória é um ato de justiça, amor e fidelidade às gerações futuras.

Quando um país se afasta de uma aliança que visa manter viva essa lembrança, ele não apenas dá as costas à história, mas também enfraquece sua autoridade moral diante do mundo. Como cristãos, temos a responsabilidade de ser “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5:13–14), o que inclui denunciar atitudes que relativizam o mal e banalizam a memória das vítimas.

A decisão brasileira soa como uma traição não apenas ao povo judeu, mas à própria verdade. Israel, com todas as suas imperfeições humanas, carrega consigo uma marca bíblica incontestável: é o povo da aliança, guardião de promessas feitas por Deus (Rm 9:4–5). O mínimo que devemos fazer é honrar sua dor e não desdenhar de sua memória.

Lutero certa vez disse que “esquecer a história é desprezar a graça de Deus nela revelada”. Ao negligenciar a lembrança do Holocausto, o Brasil não apenas despreza a história, mas também fere a dignidade humana. O apóstolo Paulo nos exorta em Romanos 12:15: “Alegrai-vos com os que se alegram; e chorai com os que choram.” Chorar com Israel é um ato de amor cristão; virar as costas à sua dor é desumano.

Portanto, como pastor e servo do Senhor, conclamo a igreja a permanecer firme em oração por Israel, pelo Brasil e por todos os povos. Devemos ser uma voz contra o esquecimento, um povo que não se curva à política quando esta despreza a verdade. A memória do Holocausto deve ser preservada, não apenas por respeito às vítimas, mas porque recordar é resistir ao mal.

Que o Senhor nos dê coragem para repudiar atitudes que mancham a verdade e sabedoria para sermos, em nosso tempo, fiéis guardiões da memória e da justiça de Deus.

“O Senhor é justo em todos os seus caminhos, e santo em todas as suas obras.” (Sl 145:17)

O Brasil: beleza, liberdade e oração

O Brasil é um presente do Senhor. Nossa terra é vasta e cheia de riquezas naturais, mas o maior tesouro está em seu povo. Somos filhos de uma miscigenação que une raças, culturas, sotaques e tradições. Essa diversidade é reflexo da multiforme graça de Deus (1Pe 4:10). Assim como a visão celestial descrita por João em Apocalipse 7:9, onde povos e nações se unem diante do Cordeiro, o Brasil, em sua pluralidade, antecipa algo da beleza da eternidade.

Contudo, não podemos ignorar que a mesma nação que carrega tanta riqueza cultural enfrenta tensões profundas. Muitos que dizem defender a democracia, na prática, rejeitam a voz da maioria — especialmente quando essa maioria expressa valores cristãos. Ora, democracia não é apenas defender minorias, mas também respeitar a vontade coletiva. Se queremos ser fiéis à democracia, precisamos abraçar tanto a pluralidade quanto a escolha majoritária de um povo que, em sua grande parte, tem sua identidade marcada pela fé cristã.

Essa questão nos leva ao ensino bíblico de Romanos 13, onde Paulo nos lembra que “não há autoridade que não venha de Deus; e as autoridades que existem foram por Ele instituídas”. Aqui não se trata de idolatrar governos, mas de reconhecer que Deus, em Sua soberania, dirige a história das nações. E se Ele permite que autoridades sejam constituídas, cabe a nós, como cidadãos do céu e da terra, respeitar as instituições, obedecer às leis justas e interceder pelos que governam (1Tm 2:1-2).

Mas o amor à pátria não é um valor estranho ao cristão. Pelo contrário, a Escritura nos ensina a buscar a paz da cidade onde estamos (Jr 29:7) e a desejar o bem de nossa nação. Nesse sentido, ressoa em nossos corações aquele verso marcante do Hino da Independência, escrito por Evaristo da Veiga:

“Ou ficar a Pátria livre, ou morrer pelo Brasil!”

Essas palavras, forjadas no contexto da luta pela independência, exalam a convicção de que a liberdade é preferível à servidão. O povo brasileiro já nasceu com a marca da bravura, desejando viver livre e digno. A verdadeira liberdade, contudo, só é encontrada em Cristo (Jo 8:36). Uma pátria pode ser livre politicamente, mas somente será plenamente livre quando seu povo for transformado pelo Evangelho.


Um chamado à oração pelo Brasil

O Brasil precisa de nossas orações. Devemos clamar para que Deus levante governantes que amem a justiça e não se dobrem à corrupção. Que a liberdade proclamada em nossa história não seja perdida em discursos vazios, mas se traduza em respeito mútuo e dignidade para todos. Que o Senhor mantenha viva em nossa nação a chama da fé cristã, que sempre iluminou nosso povo.

Oremos porque amamos o Brasil. Oremos porque sabemos que “feliz é a nação cujo Deus é o Senhor” (Sl 33:12). Oremos porque entendemos que a verdadeira democracia se fortalece quando há respeito, liberdade e compromisso com a verdade.

E que, como cristãos, possamos reafirmar: não buscamos apenas uma pátria livre segundo os homens, mas ansiamos pela pátria celestial (Hb 11:16). Enquanto aqui vivemos, oramos e trabalhamos para que o Brasil seja cada vez mais um reflexo da justiça, da liberdade e da graça de Deus